segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Ele não tinha percebido o porquê.
Ouviu, durante o trajecto entre o banco e a sua casa, num condomínio fechado, parte da notícia.
- Malditas interferências e configurações não sei quê! - pensou sobre o conflito entre o GPS e o sistema de rádio do seu mercedes V8 slk.
Sabia que, apesar de o lugar no banco estar garantido (dada tamanha cunha que fez com que o pior aluno do curso fosse nomeado vice-presidente do banco aos 25 anos), era um pouco “chato” ter que privar os colegas da sua presença para ir à oficina solucionar o problema.
Com estes pensamentos profundos na mente cumprimentou o segurança do condomínio com um breve
- Humpf!

Abriu o portão à distância necessária para não esperar muito. Parou o carro e entrou na moradia.
Em casa tudo sossegado. Como habitualmente a mulher tinha aulas de natação, body combat e etc, que lhe ocupavam os dias. Os putos, os putos onde estão? No colégio, estão no colégio...já não me lembrava...

Chamou a empregada:

- Matuléti! Chegue cá!
- Sim patrão. Chamou matuléti?
- Traz-me um uísque, rápido.

Tirou os sapatos de pele que lhe faziam calos, despiu o fato Armani, vestiu o fato de treino e foi para a sala de estar. O ecrã de plasma, enorme, fazia-lhe impressão. Demasiados comandos e botões. Sentou-se no sofá, acendeu um charuto e chamou matuléti.

- Matuléti! Chegue cá!
- Sim patrão. Chamou matuléti?
- Sabes ligar a televisão? O meu uísque? Porra de empregada...despacha-te. A patroa demora a chegar?
- Matuléti não sabe patrão...disculpe.
- Bem liga a televisão, traz o uísque e põe-te a andar!

A coitada lá ligou a tv e o sistema home cinema não a deixou pensar mais, inundadando a enorme sala com graves e agudos. Saíu para preparar o uísque.

Ele, refastelado no sofá, fez um zapping pelos canais cabo. Filmes, documentários, tele-vendas, nãããããããã. No momento em que uma luz de fogo iluminou a sala parou o zapping. Sic notícias. Canal chato, sem acção, sem tiros para estremecer com o sub-woofer.
Vem o uísque e a matuléti. Pensa para sí: esta gaja tem um cú...pode ser de cor mas é tão boa.

- Então a patroa demora-se?
- Deve tar prá chegar patrão...
-F#***#$
- Disse alguma coisa patrão?
- Nada. Ainda está aqui? Vá prá a cozinha! Já!.

A notícia passava impune à conversa.

-“...esta noite, nos arredores de Paris, centenas de carros incendiados por indivíduos de proveniência árabe.”

Fod#-$%. Estes gajos passaram-se. Qual a ideia?

-“Revoltados por não conseguirem igualdade de direitos no que toca à obtenção de um emprego...discriminados...”

Emprego, emprego. Vós devias era ter trabalho. Na vossa terra!

- “...não se conformam com as más condições de sobrevivência, no limite da pobreza...”


Sim, pois pois. E para que quereis vós dinheiro? Se fosse comigo dava-vos era um trabalho a troco da alimentação. Não se podem aturar...pensam que são gente agora...e ainda por cima a destruir o que é dos outros. Só a tiro...

Entra a mulher.

- Olá querido! Tá booom? Matulééétiiiii!!!
- Sim querida. Tou bonzinho...E a querida?
- Tudo bem meu amor.
- Sim patroa?
- Matuléti: hoje eu e o patrão não jantamos em casa. Por isso cozinhe para sí, há aí arroz e atum. Depois arrume a cozinha e vá-se deitar. Percebeu?
- Sim patroa. Com lincença patroa.

- Não jantamos em casa hoje? A que propósito?
- Ohh querido. Lembrei-me que hoje podiamos ir a uma mariscada. Apetece-me, que queres?
- Eu não quero nada. É é uma maçada tremenda ter que me vestir de novo...mas pronto. Vou pró jacuzzi um pouco, relaxar. Daqui a uma hora estarei pronto.
- Ok querido. Eu também vou pró meu jacuzzi um pouco, tou moída. Encontrámo-nos aqui daqui a 1 hora. Queres que desligue a televisão? Que estavas a ver?
- Nada de especial. Via uma notícia sobre um bando de inergúmeros franceses, ou argelinos...árabes! Veja lá você que queriam ganhar dinheiro...Queixam-se que não têm trabalho. Ao que isto chegou!
- Tens razão querido. Ao que isto chegou. Só faltava agora essa cambada. Qualquer dia tinham uma casa assim em condomínios. Que horror...só de imaginar sinto as entranhas às voltas.
- É! Tão malucos. Não se preocupe. A polícia trata deles....

10 comentários:

PR disse...

caramba... a seca deu em chuvada!

assim dá gosto.


abraço

Sukie disse...

É mesmo. O estúpido das cunhas no banco e a sua mulher desprovida de qualquer tipo de interior. Os superficiais anormais que ganharam a vida sempre sem grandes esforços. Hilariante. Beijinhos

Sara MM disse...

Tá espectacular o teu textinho... pena que detesto filmes de terror! Ou pior ainda, horrores tão reais! :o(

É mesmo assim... não há notícia que acorde mentes (ricas) tão fúteis... :o(
É pena, senão ficavam pelo menos com vergonha na cara!

BJS

Poor disse...

apesar de achar que não devemos cair no extremo oposto (nem todos são inúteis ue não se esforçam nesta vida), está muito bom!:)
fez-me lembrar uma história que me contavam da Maria Antonieta, que quando lhe disseram que o povo pedia pão respondeu: não têm pão? então que comam brioche!

noasfalto disse...

Para todos os amigos que comentaram até agora: Obrigado pelos vossos comentários. São o "sal" da escrita que vou ensaiando, dedicada a todos vós.
Abraços e beijinhos

Periférico disse...

Uma bela metáfora, embora não se deva generalizar nestas coisas como diz a Amie!

Muitas vezes estes momentos são denominados como choque com a realidade!

Um abraço

Miguel de Terceleiros disse...

E cá vamos nós outra vez seu reprodutor de analogias reais para conteúdos cibernéticos.
Fazes isto como se desenhasses, vê lá que até eu fiquei a perceber como as pessoas pensam, esses energúmenos!

armando s. sousa disse...

Um brilhante retrato social de um certo tipo de novo-riquismo que invadiu a sociedade portuguesa.
Excelente!
Um abraço.

pisconight disse...

Uma comédia ao panorama mundial?
A realidade dói.
;)

Poor disse...

olha, boa frase: o preconceito não escolhe riquezas! é isso mesmo!
um filme recente,um pouco estereotipado talvez, que retrata um bocado isto é o Crash - Colisão!