quarta-feira, 9 de novembro de 2005

O Bolo

Há um ano e oito meses fui convidado para uma festa de anos.

Confesso que já há algum tempo queria ir a esta festa, principalmente para conhecer o aniversariante e entrar para o seu círculo de amizades. Também sabia que o grupo que o rodeava era pequeno e, julgava eu, de boas pessoas.


Então siga para a festa todo contente. O aniversariante recebeu-me, muito cordialmente, e chamou-me à parte. Já contava, daí não ficar surpreendido.
Iniciamos uma troca de impressões, algo estranha e armadilhada pró meu lado.

Primeiros minutos – Apresentações formais(…)

Segunda fase – e eu a entrar no campo minado

- então sabe que se ficar nesta festa partilhará connosco o bolo…
- sim, imagino que sim.
- mas, para tal, e dado a minha posição devo questioná-lo sobre um assunto mais…peculiar digamos.
- percebo. Faça o favor de continuar.
- ora então diga-me lá: se eu o deixar ficar na festa o que ganharei com isso?
- … (algum espanto perante tanta frontalidade e uma sequência inspira/expira fora de comum, mais forte): Ganha quase tudo o que eu ganhei até hoje, pessoal e profissionalmente. O seu dia-a-dia será o meu.
- quase tudo? Quase tudo?
- tudo nunca poderá ser…
- não lhe vou dizer que queria tudo…
- melhor!

Terceira fase – sem saber já estava em cima de uma mina

- (…) Já agora, e dizendo-lhe que começo a gostar de sí, sabe que ao vir a esta festa terá direito a uma fatia do bolo de aniversário.
- Imagino que sim.
- Imagina?
- Estava a tentar ser cortês!
- Áh…está bem. Mas diga-me quanto quer do bolo, ou melhor, qual o tamanho da fatia que pretende?
- Bem…ainda há pouco tempo estive numa festa onde me davam 2 fatias…mas, para lhe ser sincero, não gosto de pedir fatias finas ou grossas. Acho que o bolo deve ser repartido igualmente pelos participantes na festa.
- sou da mesma opinião. Façamos assim: dou-lhe 2 fatias. Está de acordo? (Era uma mina, que burro sou, vesgo e estúpido)
- por mim serve perfeitamente.
- então vamos pra festa.
- siga! Eu quero é party.

Seguimos então para a festa. Confundido com as luzes, o som alucinante, a alegria de estar nesta festa, as hormonas aos saltos perante um novo mundo, prestei pouca atenção ao bolo.
Afinal tinha entrado para o círculo de amigos do aniversariante…que mais poderia querer. E todo contente por lhe dar quase todo o que eu tinha ganho até hoje (como anteriormente descrevi). Maldita personalidade….estou alegre com a vida, estabeleço uma direcção e prego a fundo.

Iniciei conversas com os outros, os do círculo, imiscuindo-me na party, completamente alucinado com a música em as luzes. Tipicamente eu.

Com o passar do tempo apercebi-me que o círculo de amigos era estranho. Não se deixavam levar pelas sonoridades e sons, não vibravam, permaneciam estáticos. Pedras. E, cada passo, sussurros indiscretos entre eles sobre o bolo.
Por vezes abordavam-me:
- Quanto pediste do bolo?
- Olha, como não ligo muito aos bolos, pedi duas fatias…achas muito?
- Não! – Diziam – Está bem o que pediste. Aliás pedi quase o mesmo.

Confesso que este interesse provocava alguma comichão à minha consciência. “Quase?”
Pulga atrás da orelha e siga em frente… até ao terrível momento do estouro contra a parede: a entrega do bolo!

Recebi, tal como prometido, 2 fatias. Mas, os outros, lobos gananciosos, tinham todos direito a 3, 4, 5 fatias. Alguns até ficavam com 7.
Não gostei, apesar de as 2 fatias me chegarem. O choque abalou-me e desanimei. Foi-se a tenacidade, a música parou e as luzes fundiram. Não pelo bolo mas pelo trato vivido.
Por respeito fiquei na festa.

Passado um ano novo convite. Fui curto e grosso:

- Só vou se não houver injustiças na repartição do bolo. Acho que a repartição, segundo os parâmetros do ano passado, é estúpida, hipócrita e discriminatória. Pensava que eras meu amigo, que me querias bem, mas vejo que a realidade á mais fria. Estás a destruir a minha auto-estima e a minha fé nas pessoas. Foste um canalha. Não merecia isto, não faço isto aos meus.
- Podes não aceitar mas o bolo está encomendado. É igual ao do ano passado e não queria ter que prejudicar ninguém. Sabes que eles são meus amigos há mais tempo que tú…
- O bolo é teu faz o quiseres. E não acredito na antiguidade. Acredito na ajuda que te dou e que não vejo esses teus amigos mais antigos a darem-te. Vou-me embora.
- Não vás. Por favor. Prometo que depois da festa arranjo mais um bolito só para tí.
- Percebeste tudo ao contrário! (pensando fi#$ da g#”$$###, és como um tamanco!).

Não queria gastar mais latim com ele. Era inútil. Os tamancos usam-se e deitam-se fora, não merecem mais.

Brami:

- Aguento os cavalos. Mas quero um bolito só para mim. (Engoli em seco, aliás engoli um sapo enorme: a minha concepção da sociedade e dos amigos. Tava decidido: já agora ia até ao fim.)

Já lhe falei, dessa altura até hoje, 3 vezes no bolito. Para picar, gosto de picar.
- a pastelaria estava fechada…sabes como é. Mas amanhã trato disso. Prometo.

Até hoje nada.
Agora que as luzes se apagaram, as colunas estouraram, do grupo de restrito de amigos escolhi apenas 2 para falar, sei que o próximo aniversário está próximo.
Ansioso aguardo…e sei que ou isto muda ou a minha parte do bolo vai directa prás fuças do aniversariante canalha!

Aí sim talvez, tirarei férias, reflectirei e mudarei os meus óculos para ver o mundo como antigamente. Porque ainda acredito nesse meu mundo.


Ps extra post: uma nota muito positiva para o novo álbum dos velhinhos Depeche Mode – Playing the Angel

9 comentários:

Sara MM disse...

Que posta mais estranha, xiça!!!
Mas podersiam-se tirar dela muuuuuuuuuuuuuuuitas conclusões... umas reais e sentidas,outras tangas de todo o tamanho ;o)

Bjs

armando s. sousa disse...

Este jogo de palavras, mostra muito das relações humanas hoje. Mesmo muito!
Gosto dos Depeche Mode mas ainda não ouvi este albúm.
Um abraço.

Sukie disse...

Em todas as festa sde aniversário é assim. Não há hipótese, é o resultado de um desenvolvimento atrofiado da humanidade e principalmente do tipo de festa que nós frequentamos. Infelizmente é mesmo assim, tenho inúmeros cologas e amigos com esse tipo de repartição de bolo e queixam-se como tu e desiludem-se como tu e pedem mais já que é assim que funciona. No entanto as injustiças da divisão continuam e quem se dedica é quem é menos favorecido.
Resta-me desejar-te força para o próximo aniversário: vás a que festa vás será sempre mais ou menos assim, por isso fortifica-te e aprender a jogar como eles.
Entretanto vai ouvindo Depeche mode para esquecer as festarolas.

Miguel de Terceleiros disse...

Ainda bem que não gosto de bolo. Gosto é de sinceridade e amizade pura sem cobranças ou portagens/indulgências!
Anda lá a casa e comes sardinhas salgadas, quantas te deixarem comer! Vinho: muito!

Sara MM disse...

ok..... NEXT !?
:o)

BJS

Poor disse...

e viva a metáfora!

kiko disse...

Fo#%$&/"da"#$#$%-"#$$#%se!!!!! Com amigos assim não são precisos inimigos!! É deixá-lso comerem-se... em todos os sentidos! Abraço ;)

pisconight disse...

Isso é qu e são festas? Eu gosto de festas é pelo corpo todo!!!!

;)

PS:Também gostei do novo albúm ds Depeche Mode

hmscroius disse...

aqui está uma boa peça para a esta pastelaria nacional ... em grande, grande estilo. Parabéns.