terça-feira, 6 de junho de 2006

Ser Português é dificil (hoje em dia)

Há dias em que uma simples página de um livro resume todo um estado de espírito e sequencia lógicas de pensamento dispersas. Aqui há uns tempos, numa leitura ocasional, aconteceu-me.
São estas pequenas letras, escritas pelo auto-denominado Reacionário Minhoto:
«O meu país espanta-me. Em oitenta anos de vida sempre me espantou, e o principal esforço da minha existência (de celibatário, zeloso cidadão e de velho) foi procurar não mostrar esse espanto. Vivemos hoje um período extraordinário em que Portugal não tem sentido, não tem alma – nem tem tradições. Sentido, alma e tradições são coisas de outro tempo, quando um português se distinguia de um espanhol e havia razões para acreditar que éramos um País. Esse País acabou – vivemos na Europa e isso é muito lucrativo. Também vivemos rodeados de televisões, sexo barato e fácil, literatura medíocre, impostos pesados, aldeias de alumínio, automóveis velozes e alguns vírus ameaçadores. Dizem-me que é assim em todo o lado e eu acredito pelo que vejo na televisão. Conformo-me a espaços, mas suponho que temos o direito de não o fazermos seja por que motivo for. Os portugueses de hoje não gostam de esforço, não têm especial apetência pelo trabalho e pela parcimónia, não prezam valores ou tradições, nem sentem especial afecto pela ideia de honestidade. Quiseram enriquecer rapidamente mas acabaram por ficar enredados na malha do crédito e do sistema bancário, caso não tivessem escolhido os labirintos da pequena corrupção e dos negócios altamente remunerados e altamente duvidosos. As novas gerações dão erros ortográficos, lêem pouco, vestem mal e sofrem de lassidão. As famílias, educadas no respeito pelos dogmas dos anos sessenta e setenta, esforçam-se por não se divorciarem, por parecerem modernos e por estarem actualizados em matéria de cinema, aparelhos de televisão e coscuvilhice social. A «coscuvilhice social», aliás, apresenta um dos aspectos mais abjectos do meu tempo – gente rica e cheia de dinheiro mostra um mundo que devia esconder, exibindo cicatrizes das operações plásticas e viagens pagas pela mercearia da sociedade. Os ricos deixaram de ter obrigações éticas e morais para com a sociedade (erguer uma biblioteca, construir um edifício público) – basta-lhes mostrarem-se e mostrarem o seu dinheiro. Os ricos do meu País andam tolos. Os pobres não têm protecção e estão contagiados por esse veneno letal das televisões e dos concursos televisivos. A classe média não existe porque, ou não tem posses, ou não tem gosto nem força.»

António Sousa Homem